O que Lady Gaga nos entrega com Abracada não é apenas uma música, mas uma verdadeira declaração de amadurecimento artístico. Antes de nos aprofundarmos nesse novo clipe e faixa, gostaria de revisitar aqui o ponto de partida dessa nova era. Quando Disease foi lançada, muitos ficaram sem saber exatamente como reagir. Era o prelúdio de uma era dark pop, fantasmagórica, que flertava com o caos e a pista de dança.
Entretanto, como muitos perceberam, o retorno de Gaga não foi abraçado de imediato. No clipe de Disease a nossa narigudinha favorita já havia dado sinais de que, para seguir em frente, teria de abraçar o caos, e o clipe se encarregou de entregar essa mensagem visualmente. Gaga estava ali, brigando com o próprio alter ego da era Artpop, uma era que entregou um pop eletro-futurista eque, na época de seu lançamento, foi um grande divisor de águas, frustrando tanto a crítica quanto o público. Menos para mim (claro), que sempre vi naqueles experimentos um reflexo da ousadia e da busca pela autenticidade da própria artista, que renegava ser rotulada como basic.
Disease cumpriu, na verdade, uma função fundamental: preparar o terreno para o que estaria por vir. Mais do que simplesmente reiniciar sua carreira, Gaga está, de fato, se reconstruindo, tentando reverter a crescente onda de fracassos que acompanhamos de perto nos últimos anos. Desde o mal recebido filme Casa Gucci até o controverso Joker 2, parece que a artista se distanciava da grandeza e dos tempos áureos de seus primeiros dias. E talvez, de certa forma, a frieza da repercussão de Disease tenha servido como um gatilho para a artista, trazendo à tona o trauma da era Artpop, intensificando a sensação de que a indústria e o público estavam, novamente, prontos para questionar se ela ainda poderia oferecer um pop de qualidade.
Com Abracada, terceiro single do álbum Mayhem, vemos um lançamento mais contido, sem grandes promessas, mas que logo tomou proporções em níveis estratosféricos. O lançamento tímido, sem grandes anúncios ou promessas de um "álbum do milênio", prova que, em parte, Gaga aprendeu com os erros do passado. Durante a era Artpop, a artista sofreu um boicote não só da indústria, mas também dos próprios fãs, que ficaram frustrados pelas expectativas gigantescas criadas em torno do álbum.
THIS IS THE ALBUM OF THE MILLENNIUM!!!!!!!!!!!! :)
— Lady Gaga (@ladygaga) October 15, 2013
Ao contrário disso, em Abracada, a comunicação com o público parece muito mais calibrada, no tom certo e na intensidade certa. Gaga, enfim, parece ter aprendido a lidar bem com as expectativas e demonstra (até aqui) ter encontrado o equilíbrio entre a nostalgia dos fãs pela Gaga do passado e a inovação artística, numa relação desafiadora entre a indústria e os fãs.
Abracada nos oferece um vislumbre muito claro da sonoridade que Gaga buscará explorar nessa nova era. Aqui, a artista se joga de cabeça no europop dark, sem perder de vista a sintonia com as tendências musicais contemporâneas, buscando referências em bandas como Depeche Mode e Siouxsie and the Banshees. A faixa nos traz elementos líricos (se nota melhor na ponte) que funcionam como uma sincope de emoções e euforia. Não à toa, os fãs elegem a ponte de Abracada como uma das melhores feitas por um artista pop nos últimos tempos.
O momento mais emblemático da música, com certeza, é o grito de Gaga no início da canção: “Dance or die”. Uma convocação à ação, uma entrega visceral à música, um convite a se perder no ritmo sem medo. Creio que aqui poderíamos abrir margem para diversas interpretações, como um chamado para a liberdade pessoal, para a transgressão das normas, ou até como uma metáfora para o abandono das inseguranças e limitações, buscando uma verdadeira conexão com a música. Ou num sentindo mais analítico, como uma crítica à própria industria.
Caso tenha esquecido, vale lembrar que Gaga sofre de fibromialgia, uma condição crônica que provoca dores generalizadas no corpo, além de fadiga, dificuldade de concentração e insônia. Além disso, a artista também enfrenta uma lesão no quadril, fruto de anos de exaustivas turnês e performances que exigem grande esforço físico. Muitas vezes ignoradas pelo público e pela própria indústria, essas condições contrastam com a expectativa que a música pop tem sobre os artistas, na qual a busca pela performance perfeita, a entrega no palco, deve prevalecer como ponto central - como se a dor e a vulnerabilidade fossem aspectos invisíveis de sua existência.
Em relação às referências, aqui temos um retorno de Gaga as próprias eras anteriores. Tanto na música como no videoclipe. Abracada é uma colagem, uma reconciliação de todos os pedaços de Lady Gaga que foram se fragmentando ao longo dos anos. Gaga não se limita a apenas repetir fórmulas antigas, mas ressignifica suas referencias, trazendo à tona o que há de mais genuíno e visceral em sua carreira.
Gaga se torna propriamente uma auto-referência e, sem dúvidas, este é um dos maiores sinais de maturação artística que uma artista pode alcançar. E Gaga faz isso com uma naturalidade impressionante, sem tornar-se uma autoparódico ou previsível. Ela resgata suas próprias fontes de inspiração, mas não perde de vista a capacidade de surpreender.
Abracada (e eu apostaria que o álbum Mayhem também) é, em muitos sentidos, o ponto de encontro dos desejos dos fãs de Gaga. Aqui se nota que a música reflete essa tentativa de Gaga em amalgamar suas principais referências , criando uma fusão visceral entre o passado e o futuro. Não é uma volta ao que ela já fez, mas é uma revisitação inteligente de suas próprias influências.
Gaga busca inspirações nas obras mais aclamadas de sua carreira, que servem de estética tanto visualmente como sonoramente. Vemos alusões à era The Fame Monster com referências ao videoclipe de Alejandro. São evidentes as referências à era The Fame, com ecos de "Alejandro", e à era Artpop, nas sonoridades que lembram "G.U.Y.".
Abracada é um convite à dança, à celebração e à reflexão sobre o quanto essa jornada de autodescoberta e reinvenção ainda tem a oferecer. A era Mayhem está apenas começando, mas já posso afirmar que estamos testemunhando um capítulo significativo na história da música pop sendo escrito. Talvez, as expectativas de Gaga em Artpop se concretizem aqui. Talvez estejamos testemunhando o surgimento do álbum do milênio. BOTA PRA SUBIR!!
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